O blog mais visitado do Brasil!

Blog para o livre exercício do pensamento crítico, da polêmica e da baixaria.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Primeiro round com Pondé, nosso Quincas Borba pós-indutrial






      Agora que já conhecemos um pouco do nosso antagonista, vamos à peleja! Em vez de um comentário panorâmico sobre a obra de Pondé, como o que fiz num post anterior (no qual cometi um engano terrível, chamando-o de católico, o que ele não é!) tentarei agora comentar sua resenha sobre o filme "Avatar", de James Cameron, que postei anteriormente.
      Pra começo de conversa, se você não sabe o que é "Avatar" e nem quer saber, você é apenas um elitista que não pode considerar-se "marxista" e muito menos "materialista". Afinal, o filme é, para começar, o maior negócio da história do cinema! A superprodução se tornou nesta segunda-feira o filme de maior bilheteira de todos os tempos após arrecadar US$ 1,858 bilhões, superando assim o recorde estabelecido por "Titanic" há doze anos, segundo dados oficiais. A façanha consagrou o cineasta James Cameron como o rei da bilheteria. Tanto "Avatar" quanto "Titanic" (1997) foram dirigidos por ele, assim como outros sucessos de público, como "Aliens" (1986), a primeira e a segunda sequências de "O Exterminador do Futuro" (1984 e 1991) e "True Lies" (1994). Com "Avatar", contudo, o diretor elevou a produção cinematográfica a um novo patamar (o filme custou 500 milhões de dólares e vai faturar certamente mais de 2 bilhões).
       É óbvio que "Avatar" não merece o mesmo cuidado analítico que um filme europeu, e Pondé parece saber bem disso. Por isso evita tratar o filme em seus aspectos formais (absolutamente convencionais) e vai direto aos finalmentes. Não tem sentido fazer critica imanente aqui. "Avatar" é provavelmente o avatar de uma nova série de filmes com tecnologia 3D, mas sua estrutura narrativa, por exemplo, é basicamente a mesma de 2012 ou a de qualquer outro filme apocalíptico de Hollywood ("O dia depois de amanhã", por exemplo). Portanto, não adianta criticar o Pondé por não compreender a forma fílmica ou qualquer coisa desse tipo. Por outro lado, não é apenas o investimento que garante o sucesso de um filme junto ao público, basta lembrar fracassos como os de "Pluto Nash" (2002) ou "Ricos, bonitos e infiéis" (2001), que pagaram um preço alto por não estarem em dia com a agenda ideológica hollywoodiana. Numa postagem futura falarei mais sobre isso, mas o teórico Fredric Jameson, em "Marcas do Visível" (Graal, 1995), explica de maneira bem satisfatória a receita do sucesso das megaproduções. Em linhas gerais, o filme não pode ser completamente falso: embora ideológico em sua fatura, contém gérmens de reivindicações legítimas. Isso Pondé parece ignorar. Vejamos como.
       Pondé define Avatar como "romantismo para idiotas", e nisso tem absoluta razão. Acerta ainda mais quando aponta a idealização presente no filme, que vê no retorno à natureza e a uma vivência comunitária uma solução para os impasses de nossa sociedade. Não devemos esquecer que a idéia de refundar uma "comunidade" (Gemeinschaft) foi e ainda é um dos pontos centrais do discurso nazista. Contudo, Pondé erra quando afirma que "a diferença na relação com a natureza sempre se definiu pela maior ou menor capacidade técnica de cada cultura em controlá-la." Essa não é uma opinião unânime. Theodor W. Adorno, por exemplo, citado por Pondé como um filósofo romântico (certamente com uma pitada de ironia), tem como um dos pontos centrais de seu pensamento filosófico a possibilidade de uma relação não-identitária, no conhecimento, entre sujeito e objeto. No plano histórico isso implica uma crítica da relação homem/natureza ditada por parâmetros puramente abstratos. A relação puramente unilateral com a natureza seria uma das características da "Razão instrumental", conceito partilhado pelos teóricos da escola de Frankfurt (principalmente Adorno e Horkheimer). Contudo, Adorno não propõe que voltemos a morar em palafitas. Pelo contrário, a única cura que o filósofo enxergava para o "esclarecimento" (ou iluminismo, no alemão Aufklärung, termo pelo qual se designa o projeto de modernidade, nas palavras de Kant, "a saída do homem de sua minoridade") era ainda "mais" e não menos, esclarecimento.  Heidegger, tido como filósofo de direita, também tece críticas em relação ao rumo que tomou o conceito de Entbergung ou "desocultamento" em nossa sociedade, que teria preservado apenas seu significado "instrumental". Obviamente os dois filósofos divergem em muitos pontos e o resumo que fiz aqui não faz jus à complexidade das questões que, infelizmente, não são nosso objeto aqui.
     É por isso que Pondé tem alguma razão quando afirma: "Ninguém está disposto a abrir mão da liberdade individual moderna em nome de qualquer comunidade, por isso toda tentativa de "re-fundar" comunidades fracassa, apesar da admiração de muito pós-moderno bobo por culturas que não conheciam a roda. Não basta ter um filtro de barro em sua casa na Vila Madalena pra você conseguir viver em paz na comunidade da deusa natureza." O erro de Pondé está em não dar dignidade filosófica a pergunta sobre quais seriam os parâmetros de nossa relação com a natureza, o que o levaria talvez a questionar o próprio conceito de "natureza" como um par antitético de "cultura" ou "história". Pondé decide responder a questão de modo peremptório, por meio do que eu definiria como um darwinismo romântico:


"Preste atenção: a relação com a natureza é de vida ou morte, ou ela ou nós. A expressão "lei da selva" não foi inventada pela avenida Paulista e seus bancos, mas sim como descrição da natureza e seu horror.

Isso não significa que não existam limites para a exploração da natureza, mas isso tampouco significa que exista uma coisa que seja "a doce Natureza". "

     O que falta ao darwinismo de Pondé, vejam só, é justamente rigor científico. A teoria desenvolvida por Darwin partilha de um ideal utópico que está na origem de nossas ciências materialistas. Se "a idealização do que seria uma comunidade é uma das marcas dos idiotas utópicos", não devemos concluir daí que todo ideal utópico seja idiotice. Afinal, isso seria chamar de idiotice todo o projeto moderno, erigido sobre uma promessa utópica de felicidade. Para comprovar o que disse, transcrevo a seguir o trecho de um texto do orientador de Pondé na USP, Franklin Leopoldo e Silva entitulado "Conhecimento e Razão Instrumental":

(...)"se nos detivéssemos numa análise mais precisa deste pensamento que se constituiu na alvorada dos tempos modernos, duas coisas poderiam talvez causar inquietação. A primeira é o caráter utópico de certas propostas de organização social do trabalho científico que acompanham e mesmo ilustram a pretensão de domínio racional. Em Bacon, textos como a Nova Atlântida descrevem, na forma da utopia, uma civilização extremamente equilibrada, totalmente calcada na busca e organização do saber em todos os domínios, do que resulta o estado de felicidade desfrutado por todos os habitantes. O segundo motivo de inquietação deriva da maneira como Descartes pretendia integrar as várias partes que compõem a totalidade unitária do saber humano, definindo a vinculação do empreendimento teórico com as suas aplicações práticas através do termo sabedoria. A esta perfeita integração entre a teoria e a prática é assinalado o mesmo objetivo proposto por Bacon: a consecução da felicidade humana." (disponível na íntegra em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-65641997000100002).

     Como todo pensamento conservador, o de Pondé possui raízes pré-modernas. Não é por outro motivo que vimos, em outros textos, o filósofo tecer elogios à Idade Média. No entanto, é interessante notar como Pondé não é um conservador clássico. Ao lado da defesa da liberdade individual há a alusão a um "limite" que a "exploração da natureza" deve respeitar. Fica evidente o paradoxo. Afinal, como jogar fora todo o projeto moderno de "Afklärung" sem se recorrer a algum tipo de instância mística ou tabu proibitivo? Acho que a resposta de Pondé seria tipicamente brasileira: mudemos um pouco o rumo das coisas para que elas, ao fim e ao cabo, permaneçam as mesmas. Mas isso não se pode afirmar com certeza, pelo menos não ainda, pois mal começamos a desconstruir o embróglio que é o pensamento de Pondé.
     A ideologia de "Avatar" é realmente coisa de retardado. Mas, então, por que o filme faz tanto sucesso? Afinal, se "ninguém está disposto a abrir mão da liberdade individual moderna em nome de qualquer comunidade" por que tantos aplaudem o filme efusivamente e insistem justamente em que o filme tem uma "grande mensagem a nos transmitir"? Ao contrário de Pondé, penso que a ideologia de Avatar tenha se tornado poderosa, mas disso falarei em outra ocasião.

2 comentários:

Anônimo disse...

Merda, e o meu emprego, cadê? Imbecil...

Anônimo disse...

Vai trabalhar, vagabundo!