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terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Pondé e a insustentável banalidade do ser

No último texto vimos como Pondé, comentando o pipocão ecologético de James Cameron,  acertara na mosca ao enxergar no filme traços de um fundamentalismo ecológico de fundo romântico (que ele chamou, em termos “politicamente” incorretos, de “romantismo para retardados”, o que muito nos alegrou). Contudo, no elogio que teceu ao filme de Lars Von Trier, Pondé escorregou feio no tomate e nos revelou, por assim dizer, a natureza intrinsecamente brega que povoa a alma humana. Acontece que o filme de Lars Von Trier, assim como o filosofar de Pondé, é extremamente pretencioso. Pretensão de autenticidade: assim defino o conceito de “brega” aqui aplicado ao filósofo. E ao filme, é claro. Pois Lars Von Trier, que pelo visto é muito menos astuto do que James Cameron, não percebeu que o cinema autoral morreu – ao menos nos moldes “tarkovskianos” que ele tenta ressuscitar. Insisto nesse ponto: o filme transpira “bregosidade”. Provam isso o hit de música clássica (“lascia chio pianga”, da ópera Rinaldo, de Händel) que já fora utilizado no lamentável “Farinelli" (1994) e os clichês que povoam o filme, como “a casa na floresta” e os “animais falantes”, que “resgatam o conteúdo mítico” (para usar o jargão psicanalítico pós-freudiano) das fábulas e dos contos de fadas. Se fôssemos tolos o suficiente, poderíamos agüir que os três animais mágicos seriam no fundo manifestações arquetípicas. E teríamos muito capim místico para mastigar.

Além do mais, ainda que não fosse “intrinsecamente” brega, o filme “Anticristo” mereceria, pela própria pretensão, uma análise formal mais cuidadosa. Coisa que Pondé não faz. Em vez disso, faz alusões teológicas muito pouco precisas e por vezes incorretas. Como conciliar a “riqueza teológica” de Agostinho com a pobreza de um comentário como “sua natureza era intrinsecamente má”? Afinal, para Agostinho, como sabem os teólogos, o mal era desprovido de substância (cito: "O mal não possui uma natureza negativa, mas a perda do bem recebeu o nome de mal”, Confissões). Trata-se certamente de um deslize, afinal, Pondé não é intrinsecamente mau e parece ter lido Agostinho melhor do que muita gente. Entretanto, não custa nada recomendar-lhe mais rigor científico (e a ironia contida nessa afirmação é sintomática do próprio posicionamento do “filósofo Daslu” que é Luiz Felipe Pondé).

Ao tentar voar com asas gigantes, ou seja, ao tentar positivar seu conservadorismo, Pondé expõe seu lado brega e se torna motivo de troça. A inexorabilidade da banalidade é tema do filme satírico “Queime depois de ler” (2008) dos irmãos Cohen. Nesse filme, que não pede nenhum tipo de crítica séria, a idiotice age como uma espécie de conceito teleológico hegeliano, provocando desenlaces patéticos e dissolvendo num mesmo caldo insosso de banalidade todas as motivações que os personagens porventura apresentem. Como uma corte diante de seu bufão, rimos de nós mesmos ao assitir ao filme dos Cohen.

De resto, transcrevo a seguir frases pretenciosamente “poéticas” do filósofo que, como todos nós, como dizia meu tio, “às vezes põe o do Wando na vitrola”:



O intróito:





“Não um jardim do Éden onde a natureza é essa criação romântica sem dor, mas uma escura câmara de terror, cheia de gemidos e solidão.”



E o Gran Finale:



“A personagem feminina carrega em si toda a tragédia que é ter sido aquela que pressentiu o hálito do mal no mundo e em si mesma. Façamos silêncio em respeito a ela.”



Convenhamos: “gemidos e solidão”? “Façamos silêncio em respeito a ela?” Felizmente esse oponente pode mais do que isso... estimo melhoras!

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Texto de Pondé sobre "O Anticristo", de Lars Von Trier

24/09/2009 - 09:27 - LUIZ FELIPE PONDÉ - O terror no Éden

"Anticristo", de Lars Von Trier, é um filme sobre o mal. Com o mal não se brinca, respeita-se



"ANTICRISTO", DE Lars Von Trier, é um grande filme. A acusação de sexista é típica da superficialidade que assola a atual crítica, antes de tudo por falta de repertório, no caso específico, repertório teológico. Von Trier não teme a patrulha ideológica. É preciso coragem para enfrentar o aniquilamento da inteligência levado a cabo por esses gestores da "mediocridade correta". A ridícula irritação por parte de setores da mídia, cobrando do diretor uma justificativa, é um sintoma. Parte da teologia contemporânea é responsável por essa falta de repertório, na medida em que passou a ensinar uma salada de profetismo iluminista e marxismo espiritual, em detrimento da riqueza teológica de autores como Agostinho ou Lutero.

Além dos elementos que marcam o ambiente do mito da queda, a dedicatória feita ao cineasta-teólogo russo Tarkovski já é uma forte indicação da motivação teológica. Já em filmes como "Dogville" essa temática aparecia centrada na personagem principal, Grace, uma referência ao conceito cristão de "graça divina". O "filósofo" Thomas Edison Jr. (ele mesmo um canalha) pergunta aos seus concidadãos: "Por que somos tão ingratos?". Todo o comportamento dos habitantes da vila remeterá a essa ingratidão para com a boa Grace, ingratidão esta materializada nas torturas a que ela será submetida ao longo de sua via dolorosa.

O "Anticristo" é um filme sobre o mal. Com o mal não se brinca, respeita-se. Não se faz terapia com o mal, esse alerta aparece inúmeras vezes na boca da personagem feminina, que pressente sua tragédia. É ridícula a arrogância do marido diante do processo que está em curso na alma de sua mulher. O filme se abre com a queda do filho para a morte enquanto o casal goza deliciosamente. Ao final, saberemos que ela, de olhos abertos em meio ao orgasmo, vê o filho saltar para a morte, mas opta pelo orgasmo. Mas o que está de fato acontecendo com ela? Seria um "luto normal", como seu marido terapeuta supõe? Não, a morte do filho é a consequência e não causa de sua agonia.

Seu orgulho "científico" o impede, até a sequência final do filme, de perceber que ela não sofre "simplesmente" devido à morte do filho, mas sim pela descoberta do mal que a acometeu desde sua passagem no último verão, sozinha com seu filho, pela casa deles no bosque do Éden, e que sua "escolha pelo sexo" em detrimento do filho a despertou para o pesadelo. Foi esse mal que a levou deixar seu filho morrer. O desejo, habitado pelo mal, se torna uma máquina de tortura contínua, levando o mundo à "descriação" e à desordem.

Não é por acaso que um dos "capítulos" do filme se chama (fato descrito por um dos animais deformados no Jardim do Éden de Von Trier): "Aqui reina o caos". Como aparece no roteiro sua transformação numa personalidade habitada pelo mal? Além da opção pelo orgasmo em detrimento do filho e as terríveis torturas que ela causa no corpo do seu marido e no seu próprio, a descoberta que ele faz ao ler a carta do instituto médico legal após a autópsia do filho é a gota d'água. Os médicos identificam uma deformação nos pés da criança. E por quê?


Durante o último verão, ela deveria escrever sua tese, cujo tema era criticar a suposição medieval de que a maldade seria intrínseca à natureza feminina. Em vez disso, ela descobre que sua natureza era intrinsecamente má: "A natureza é o templo de Satanás", ela diz. Ela descobre o "prazer" de calçar os sapatos no filho invertendo os pés, e assim causar um enorme sofrimento à criança. Só diante das torturas a que é submetido por ela e dessa descoberta o marido muda de posição e percebe que deve levar a sério a fala de sua mulher: "Sou má". Não vou contar o final do filme.

Mas é importante saber que estamos diante de alguém que conhece a antropologia cristã, fruto de muita reflexão e não de mero blablablá ideológico. Pensamos que apenas o darwinismo descreve um cosmo feito de horror. Mas isso não é verdade. Há muito tempo que se sabe que o mundo pode ser um roteiro de horror. O que Von Trier capta é a atmosfera que nosso casal mítico Adão e Eva experimentou após a queda. Não um jardim do Éden onde a natureza é essa criação romântica sem dor, mas uma escura câmara de terror, cheia de gemidos e solidão. A personagem feminina carrega em si toda a tragédia que é ter sido aquela que pressentiu o hálito do mal no mundo e em si mesma. Façamos silêncio em respeito a ela.

ponde.folha@uol.com.br

Folha de São Paulo – 21-09-2009

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Primeiro round com Pondé, nosso Quincas Borba pós-indutrial






      Agora que já conhecemos um pouco do nosso antagonista, vamos à peleja! Em vez de um comentário panorâmico sobre a obra de Pondé, como o que fiz num post anterior (no qual cometi um engano terrível, chamando-o de católico, o que ele não é!) tentarei agora comentar sua resenha sobre o filme "Avatar", de James Cameron, que postei anteriormente.
      Pra começo de conversa, se você não sabe o que é "Avatar" e nem quer saber, você é apenas um elitista que não pode considerar-se "marxista" e muito menos "materialista". Afinal, o filme é, para começar, o maior negócio da história do cinema! A superprodução se tornou nesta segunda-feira o filme de maior bilheteira de todos os tempos após arrecadar US$ 1,858 bilhões, superando assim o recorde estabelecido por "Titanic" há doze anos, segundo dados oficiais. A façanha consagrou o cineasta James Cameron como o rei da bilheteria. Tanto "Avatar" quanto "Titanic" (1997) foram dirigidos por ele, assim como outros sucessos de público, como "Aliens" (1986), a primeira e a segunda sequências de "O Exterminador do Futuro" (1984 e 1991) e "True Lies" (1994). Com "Avatar", contudo, o diretor elevou a produção cinematográfica a um novo patamar (o filme custou 500 milhões de dólares e vai faturar certamente mais de 2 bilhões).
       É óbvio que "Avatar" não merece o mesmo cuidado analítico que um filme europeu, e Pondé parece saber bem disso. Por isso evita tratar o filme em seus aspectos formais (absolutamente convencionais) e vai direto aos finalmentes. Não tem sentido fazer critica imanente aqui. "Avatar" é provavelmente o avatar de uma nova série de filmes com tecnologia 3D, mas sua estrutura narrativa, por exemplo, é basicamente a mesma de 2012 ou a de qualquer outro filme apocalíptico de Hollywood ("O dia depois de amanhã", por exemplo). Portanto, não adianta criticar o Pondé por não compreender a forma fílmica ou qualquer coisa desse tipo. Por outro lado, não é apenas o investimento que garante o sucesso de um filme junto ao público, basta lembrar fracassos como os de "Pluto Nash" (2002) ou "Ricos, bonitos e infiéis" (2001), que pagaram um preço alto por não estarem em dia com a agenda ideológica hollywoodiana. Numa postagem futura falarei mais sobre isso, mas o teórico Fredric Jameson, em "Marcas do Visível" (Graal, 1995), explica de maneira bem satisfatória a receita do sucesso das megaproduções. Em linhas gerais, o filme não pode ser completamente falso: embora ideológico em sua fatura, contém gérmens de reivindicações legítimas. Isso Pondé parece ignorar. Vejamos como.
       Pondé define Avatar como "romantismo para idiotas", e nisso tem absoluta razão. Acerta ainda mais quando aponta a idealização presente no filme, que vê no retorno à natureza e a uma vivência comunitária uma solução para os impasses de nossa sociedade. Não devemos esquecer que a idéia de refundar uma "comunidade" (Gemeinschaft) foi e ainda é um dos pontos centrais do discurso nazista. Contudo, Pondé erra quando afirma que "a diferença na relação com a natureza sempre se definiu pela maior ou menor capacidade técnica de cada cultura em controlá-la." Essa não é uma opinião unânime. Theodor W. Adorno, por exemplo, citado por Pondé como um filósofo romântico (certamente com uma pitada de ironia), tem como um dos pontos centrais de seu pensamento filosófico a possibilidade de uma relação não-identitária, no conhecimento, entre sujeito e objeto. No plano histórico isso implica uma crítica da relação homem/natureza ditada por parâmetros puramente abstratos. A relação puramente unilateral com a natureza seria uma das características da "Razão instrumental", conceito partilhado pelos teóricos da escola de Frankfurt (principalmente Adorno e Horkheimer). Contudo, Adorno não propõe que voltemos a morar em palafitas. Pelo contrário, a única cura que o filósofo enxergava para o "esclarecimento" (ou iluminismo, no alemão Aufklärung, termo pelo qual se designa o projeto de modernidade, nas palavras de Kant, "a saída do homem de sua minoridade") era ainda "mais" e não menos, esclarecimento.  Heidegger, tido como filósofo de direita, também tece críticas em relação ao rumo que tomou o conceito de Entbergung ou "desocultamento" em nossa sociedade, que teria preservado apenas seu significado "instrumental". Obviamente os dois filósofos divergem em muitos pontos e o resumo que fiz aqui não faz jus à complexidade das questões que, infelizmente, não são nosso objeto aqui.
     É por isso que Pondé tem alguma razão quando afirma: "Ninguém está disposto a abrir mão da liberdade individual moderna em nome de qualquer comunidade, por isso toda tentativa de "re-fundar" comunidades fracassa, apesar da admiração de muito pós-moderno bobo por culturas que não conheciam a roda. Não basta ter um filtro de barro em sua casa na Vila Madalena pra você conseguir viver em paz na comunidade da deusa natureza." O erro de Pondé está em não dar dignidade filosófica a pergunta sobre quais seriam os parâmetros de nossa relação com a natureza, o que o levaria talvez a questionar o próprio conceito de "natureza" como um par antitético de "cultura" ou "história". Pondé decide responder a questão de modo peremptório, por meio do que eu definiria como um darwinismo romântico:


"Preste atenção: a relação com a natureza é de vida ou morte, ou ela ou nós. A expressão "lei da selva" não foi inventada pela avenida Paulista e seus bancos, mas sim como descrição da natureza e seu horror.

Isso não significa que não existam limites para a exploração da natureza, mas isso tampouco significa que exista uma coisa que seja "a doce Natureza". "

     O que falta ao darwinismo de Pondé, vejam só, é justamente rigor científico. A teoria desenvolvida por Darwin partilha de um ideal utópico que está na origem de nossas ciências materialistas. Se "a idealização do que seria uma comunidade é uma das marcas dos idiotas utópicos", não devemos concluir daí que todo ideal utópico seja idiotice. Afinal, isso seria chamar de idiotice todo o projeto moderno, erigido sobre uma promessa utópica de felicidade. Para comprovar o que disse, transcrevo a seguir o trecho de um texto do orientador de Pondé na USP, Franklin Leopoldo e Silva entitulado "Conhecimento e Razão Instrumental":

(...)"se nos detivéssemos numa análise mais precisa deste pensamento que se constituiu na alvorada dos tempos modernos, duas coisas poderiam talvez causar inquietação. A primeira é o caráter utópico de certas propostas de organização social do trabalho científico que acompanham e mesmo ilustram a pretensão de domínio racional. Em Bacon, textos como a Nova Atlântida descrevem, na forma da utopia, uma civilização extremamente equilibrada, totalmente calcada na busca e organização do saber em todos os domínios, do que resulta o estado de felicidade desfrutado por todos os habitantes. O segundo motivo de inquietação deriva da maneira como Descartes pretendia integrar as várias partes que compõem a totalidade unitária do saber humano, definindo a vinculação do empreendimento teórico com as suas aplicações práticas através do termo sabedoria. A esta perfeita integração entre a teoria e a prática é assinalado o mesmo objetivo proposto por Bacon: a consecução da felicidade humana." (disponível na íntegra em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-65641997000100002).

     Como todo pensamento conservador, o de Pondé possui raízes pré-modernas. Não é por outro motivo que vimos, em outros textos, o filósofo tecer elogios à Idade Média. No entanto, é interessante notar como Pondé não é um conservador clássico. Ao lado da defesa da liberdade individual há a alusão a um "limite" que a "exploração da natureza" deve respeitar. Fica evidente o paradoxo. Afinal, como jogar fora todo o projeto moderno de "Afklärung" sem se recorrer a algum tipo de instância mística ou tabu proibitivo? Acho que a resposta de Pondé seria tipicamente brasileira: mudemos um pouco o rumo das coisas para que elas, ao fim e ao cabo, permaneçam as mesmas. Mas isso não se pode afirmar com certeza, pelo menos não ainda, pois mal começamos a desconstruir o embróglio que é o pensamento de Pondé.
     A ideologia de "Avatar" é realmente coisa de retardado. Mas, então, por que o filme faz tanto sucesso? Afinal, se "ninguém está disposto a abrir mão da liberdade individual moderna em nome de qualquer comunidade" por que tantos aplaudem o filme efusivamente e insistem justamente em que o filme tem uma "grande mensagem a nos transmitir"? Ao contrário de Pondé, penso que a ideologia de Avatar tenha se tornado poderosa, mas disso falarei em outra ocasião.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

café filosófico com Luiz Felipe Pondé

‘Ninguém vive em harmonia com a natureza’

por Luiz Felipe Pondé, para a Folha

      O filme "Avatar", de James Cameron, é melhor do que "2012". "Avatar" também tem um ar apocalíptico, mas reúne elementos estéticos e de conteúdo mais elaborados do que "2012" e seu besteirol maia.
Mesmo assim, "Avatar" acaba sufocado por outro tipo de besteirol que é seu romantismo para idiotas: a fé no povo da floresta que vive em harmonia com a natureza. Nenhum povo vive em harmonia com a natureza. A diferença na relação com a natureza sempre se definiu pela maior ou menor capacidade técnica de cada cultura em controlá-la.
       Os índios brasileiros que cá estavam quando chegaram os portugueses ("nossos libertadores") só viviam "em harmonia com a natureza" porque eram tão atrasados que nem conheciam a roda. Preste atenção: a relação com a natureza é de vida ou morte, ou ela ou nós. A expressão "lei da selva" não foi inventada pela avenida Paulista e seus bancos, mas sim como descrição da natureza e seu horror.
Isso não significa que não existam limites para a exploração da natureza, mas isso tampouco significa que exista uma coisa que seja "a doce Natureza". Serpentes e barbeiros (os besouros da doença de Chagas, não seu cabeleireiro unissex) e câncer são tão naturais quanto os passarinhos.
       O romantismo é uma escola literária de peso. Último grande grito contra a vida brutalizada pela fúria mercantil, ele reúne uma crítica contundente ao capitalismo tecnicista e sua crença brega na ciência - "a ciência é o grande fetiche da burguesia", dizia o filósofo Adorno. Em "Avatar", o romantismo degenera em conversa de retardado.
        Revolucionários românticos sonhavam com uma vida que recuperasse "valores pré-modernos" identificados com uma vida em comunidade onde as pessoas não seriam monstros interesseiros. O problema desses revolucionários é que "comunidade pré-moderna" não é uma comunidade de hippies legais, mas um tipo de sociabilidade onde o padeiro da esquina sabe que sua mãe é amante do padre, que seu pai é brocha, e que nem você nem ninguém têm pra onde ir. A idealização do que seria uma comunidade é uma das marcas dos idiotas utópicos.
        Ninguém está disposto a abrir mão da liberdade individual moderna em nome de qualquer comunidade, por isso toda tentativa de "re-fundar" comunidades fracassa, apesar da admiração de muito pós-moderno bobo por culturas que não conheciam a roda. Não basta ter um filtro de barro em sua casa na Vila Madalena pra você conseguir viver em paz na comunidade da deusa natureza.
        O filme se passa num planeta (Pandora) tipo Amazônia, onde existe uma enorme riqueza mineral escondida sob o solo coberto por uma floresta tropical cheia de "monstrinhos e plantas que ascendem ao toque das mãos", habitada por uma população linda de seres que muito se parecem com índios americanos. Pandora já remete à narrativa da "caixa de Pandora" e suas maldições.
        O nome da raça que habita Pandora, os Na'vi, soa muito próximo da palavra hebraica para "profeta", "navi" ou "nabi". Os humanos gananciosos não são capazes de perceber como os Na'vi são seres em contato com a deusa cósmica. Os índios de Pandora são profetas da deusa.
         O personagem humano principal é paraplégico, mas ao se tornar um Na'vi recupera as pernas: eis a metáfora da condição humana vista pelas lentes do romantismo degenerado.
        Somos uns aleijados em comparação aos belos índios místicos donos da verdade cósmica. E qual é essa verdade? Que a natureza é um grande cérebro pensante e que devemos nos dobrar a ela porque assim a vida será bela.
        Meu Deus, como ter paciência com esses aleijados mentais? Ninguém leu Darwin? Ninguém nunca observou a natureza de perto? Nunca sentiu o odor de sua violência? Numa cena, nosso herói escapa de uma fera. Esta mesma fera se oferecerá em seguida como montaria dócil para a heroína Na'vi a fim de combater os humanos gananciosos. Hipótese do filme: se um leão come a cabeça de uma mulher, isso é "bem cósmico", mas diante da ganância humana, ele se oferecerá como montaria dócil e fará discernimento entre sua crueldade "do bem" e a "maldade humana".
       Noutra cena, na qual a heroína Na'vi salva o mocinho, ela dirá: "Eu tive que matar essas belas criaturas porque você fez barulho".
       Moral da história: se você não respirar e não andar, a natureza o amará pra sempre. Caso apareça um porco capitalista, os leões virarão gatinhos. Só um idiota pensaria isso.

Saudações ao "grande antagonista"




Vocês conhecem o filósofo e teólogo Luiz Felipe de Cerqueira e Silva Pondé*, ou simplesmente Luiz Felipe Pondé, como ele assina seus artigos na Folha de São Paulo (onde trabalha como colunista exclusivo) e livros sobre Literatura, Filosofia e Teologia? Soube do traballho de Pondé por um amigo, que o definiu como "um grande antagonista". Como o amigo era confiável, comecei a ler alguns textos do Pondé disponíveis na internet. No início fiquei um pouco decepcionado, pois a linguagem direta e quase simplória do articulista esconde a amplitude de seu pano de fundo filosófico. Conforme fui conhecendo outros textos, tornou-se evidente que se tratava de uma simplicidade muito bem arquitetada, estratégica até.
Não quero adiantar muita coisa sobre o pensamento de Pondé, já que vou postar seus textos no blog, assim o leitor pode tomar pé do tamanho do estrago que pode causar o pensamento desse polemista conservador. Sim, Pondé é conservador e o afirma abertamente.  "A que ponto chegamos", somos tentados a pensar ("nós" humanistas e afins). Afinal, um católico conservador escrevendo num dos maiores jornais do país não é a mais clara evidência do quanto a sociedade brasileira regrediu politicamente ou, em jargão estudantil, "endireitou"? Sim. E não. Como espero demonstrar, embora nosso antagonista seja claramente avesso ao ponto de vista marxista (e nisso merece resposta), seu pensamento está longe de afirnar-se com o coro hegemônico. Pondé é um dos expoentes de uma minoria conservadora extremamente crítica em relação a algumas das idéias atualmente mais difundidas pelos meios de comunicação. E o pior: geralmente suas críticas acertam o alvo, como veremos. O próprio Pondé se auto-define como conservador e explica o que isso significa para ele:

"Conservadorismo significa, sem dúvida nenhuma, uma desconfiança enorme em relação à modernidade, compreendida como a crença na razão como instrumento suficiente para o conhecimento. “Conservador” é um termo que não é claro. Mas é razoavelmente correto você pensar que o termo indica desconfiança e mal-estar com relação à suficiência da razão, desconfiança com a idéia de que você possa jogar fora a tradição religiosa, contrariedade à idéia de ruptura -de que o ser humano possa inventar tudo a partir de hoje-, e está também na idéia de que a natureza humana é alguma coisa da qual você deve se aproximar com cuidado e que sempre subentende um certo mistério."  ("Chega de modernidade". Folha de São Paulo, 09/12/2007)


Mas afinal, por que alguém que se considera ateu e socialista deveria ler o que escreve um fenomenólogo conservador? Primeiramente, para criar motivação: escolha o oponente mais poderoso à vista e pise no seu pé, essa é mais ou menos a receita aqui. Além disso, para atualizar o debate, pois, como é sabido, as coordenadas da luta ideológica alteram-se historicamente, inclusive em seu modus operandi.  Nesse processo, posições ideológicas que tinham força de contestação podem ser completamente assimiladas e esvaziadas de seu conteúdo político. Por incrível que pareça, Pondé é extremamente sensível a esse fenômeno, embora parta de pressupostos que divergem dos nossos. Para terminar, o fato de Pondé ser um teólogo insere seu pensamento numa tradição que precisa ser repensada pela esquerda atual. Mas isso merece um texto a parte. Por ora, ergamos loas aos céus e saudemos nosso mais novo antagonista!

* Luiz Felipe Pondé possui um currículo invejável:  mestrado em História da Filosofia Contemporânea pela Universidade de São Paulo (1993) (orientação de Franklin Leopoldo e Silva!) , DEA em Filosofia Contemporânea - Universite de Paris VIII (1995), doutorado em Filosofia Moderna pela Universidade de São Paulo (1997) (orientação de Franklin Leopoldo e Silva!) e pós-doutorado (2000) em Epistemologia pela University of Tel Aviv. Atualmente é professor assistente da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e professor titular da Fundação Armando Álvares Penteado. Outros vínculos significativos em pós-graduação: Escola Paulista de Medicina, Unifesp, professor e pesquisador convidado (2007) , University of Warsaw, professor convidado (2007), Universität Marburg, professor e pesquisador convidado (2002 e 2003) - University Of Tel Aviv, pesquisador (1999 a 2000) - Universite de Paris VIII, pesquisador (1994 a 1996) - Universidad de Sevilla, professor convidado (2005) - Universite Catholique de Louvain (2002 até o presente) e colunista exclusivo do Jornal Folha de S. Paulo. Tem experiência na área de Filosofia, com ênfase em Ciências da Religião e Filosofia da Religião, atuando principalmente nos seguintes temas: religião, mística, santidade, angústia, modernidade/Pós-modernidade e epistemologia.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Un coup de pistolet dans un concert!

O blog "torre de marfim" se destina ao livre exercício da crítica. Agumas postagens podem ser polêmicas, mas a polêmica não é o alvo. Como o espaço do blog é anárquico por natureza, análises estéticas e comentários filosóficos devem competir lado a lado com a mais desbragada panfletagem e confissões subjetivas. Vamos ver no que dá.